O Barraco de Boa Morte
Boa Morte era um sujeito bem de vida. Qualquer petroleiro na década de sessenta em Aracaju era um cidadão de responsa, com a vida arrumada e grande importância social. Afinal, amealhavam no final do mês invejáveis ordenados. Namoravam as coroas mais enxutas, tinham crédito ilimitado no Gavetão, assento cativo no Batistão e mesa no restaurante do Hotel Pálace com direito a um cálice de licor por conta da casa.
O petroleiro Boa Morte foi bem mais além: era o rei da noite com o seu Bar Barraco instalado na esquina do Hotel Beira Mar, lugar das maiores doidices nos primórdios da Atalaia. O que teria levado Boa Morte a se envolver em negócios de bar? Pela renda não era que no Barraco dele o “devo” era federal. Seria então para dispor, garanhão que acreditava ser, da recém descoberta liberalidade de costumes que nos nutria a bandeira do amor livre, tão em voga nos idos sessenta?
Sabe-se lá! O certo é que o Barraco era um respiradouro de modernas emoções, o barulhento templo da moçada liberal, único no gênero, e, portanto, memorável sempre.
O melhor de lá era a intimidade dos garçons, comparsas da patuléia que se misturavam à doidice geral. Deles, dois merecem memória: Agapito e Bigode.
Bigode era enferruscado. Sério senhor de cinturão atochado no limite da virilha contendo o inconveniente barrigão. Baixinho de cara séria e coração brincalhão, estava ali, mas não estava, que a dele já se sabia: das gorjetas do Barraco voltava à família, onde, por certo, conversava novidades, entregando os escândalos que presenciara. Mas acontece que o devo era mais fácil com ele. Rara condição em coração de garçom, a cumplicidade de pai: – Seguro até amanhã, Boa Morte nem vai saber!
Bigode era o pai do penduro.
Já Agapito tinha muita história. Fora garçom do Vaqueiro onde começara a enlouquecer ajudado por uma geração de cineastas Super-8, ploriferados na década de 60, que fazia cinema de tudo o que havia e se divertia com isso. Convenceram-no de que ele era um Caubói desaproveitado, capaz de glórias hollyoodianas e Agapito se acreditou o Rock Lane do Aracaju. Mas como apanhava! Num faroeste sergipano ele apanhou tanto do mocinho que baixou hospital. Na cena seguinte onde ele - o vilão - seria enforcado, a gaiata produção amarrou frouxo o nó cinematográfico que o seguraria pela cintura, enquanto o nó no pescoço, apenas cenográfico, lhe garanteria a perfórmance teatral de enforcado, por parcos segundos cinematográficos. Mas aprontaram com ele! Enquanto Agapito, já sem fôlego esperneava socorro, a trupe morria de rir. Essa cena foi registrada em metros de fita que eu cheguei a ver, onde, finalmente Cawboy, Agapito encheu de murro o cinegrafista e investiu aloprado: - Filhas da puta, voçês querem me matar? Vai ver que por causa disso o nosso ator nunca chegou às telas.
Agapito concedia ao Barraco algumas performances, como a do duelo no corredor das mesas, onde o bater da meia noite o incitava a sacar com rara velocidade o destampador de garrafas: pernas arqueadas, beiço ocupado em transversais palitos, olhar feroz e peito aberto ao que desse e viesse. Ploc, Ploc - o saque veloz nos gargalos! Ele ganhava sempre!
Agapito está vivo, mas já não conta de si, largado que está em nosso esquecimento. Vive no mercado central esmolando atenção e poucos acreditam nas doidices que ele conta!
Acho que nem do Barraco ele se lembra!
Amaral Cavalcante- 10/2009
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